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O FEMININO NÃO É UM GÊNERO. É UMA DIMENSÃO

  • Foto do escritor: Mariele Santos
    Mariele Santos
  • 26 de set. de 2024
  • 3 min de leitura

Atualizado: 6 de fev.


 
Reflexão inspirada por Sadhguru

Tenho refletido muito sobre os espaços que ocupamos e como a dualidade de entendimento do mesmo assunto pode, muitas vezes, destruir pontes. Recentemente, tive a experiência de participar de dois grupos de mulheres em debates bastante distintos. Um grupo era composto por mulheres negras empreendedoras que disseminavam seu conhecimento e apoio para outras mulheres como uma alternativa de saída de situações de vulnerabilidade. Já o outro grupo, majoritariamente formado por mulheres brancas, discutia sua inquietude em relação às questões cotidianas da vida.


O que ficou evidente para mim ao longo dessas experiências foi como as mulheres negras, historicamente marginalizadas, estavam focadas em sobreviver diante de um sistema que as empurra para a margem, enquanto as mulheres brancas, em sua maioria, refletiam sobre questões mais abstratas. Isso expõe, de forma muito clara, a falha em reconhecer as diferentes camadas de opressão que cada grupo enfrenta e como as lutas nem sempre são vistas da mesma perspectiva.


Essa dualidade de realidades traz à tona o conceito de interseccionalidade, uma ramificação do feminismo que surgiu justamente como uma reação às políticas identitárias tradicionais. O movimento feminista, em suas origens, foi amplamente dominado por mulheres brancas e de classe alta, muitas vezes ignorando as necessidades urgentes de mulheres negras e trabalhadoras. Ao mesmo tempo, o movimento antirracista era, por vezes, liderado por homens negros que não reconheciam a opressão de gênero enfrentada por essas mesmas mulheres. Esse problema de “enquadramento”, onde diferentes lutas sociais são abordadas de forma isolada, foi algo que senti claramente ao observar a dinâmica desses grupos.


O capitalismo desempenha um papel crucial nesse cenário, promovendo uma competição brutal e desumanizadora que separa as pessoas e distorce nossas relações. Como sociedade, somos condicionados a competir, o que alimenta a ganância e a discriminação, perpetuando divisões. A mudança, portanto, não pode ser apenas individual ou limitada ao campo das ideias. Para combater a opressão de maneira eficaz, é necessário mudar as condições sociais e materiais que alimentam essas desigualdades. Caso contrário, corremos o risco de adotar uma abordagem individualista que fragmenta os movimentos de resistência.


Bell Hooks, uma referência no feminismo interseccional, ressalta que as múltiplas formas de opressão compartilham uma base comum: as crenças ideológicas que sustentam as noções de dominação. Contudo, a limitação dessa visão é que ela se foca em desafiar essas crenças, sem necessariamente propor uma mudança estrutural que aborde as raízes econômicas dessas opressões. O capitalismo, por sua vez, se beneficia da opressão de diferentes grupos, mantendo a classe trabalhadora dividida e em constante luta por migalhas.


No entanto, a verdadeira mudança só virá quando entendermos que a opressão de um grupo serve para manter o sistema capitalista, que explora a todos nós de diferentes maneiras. Não é do interesse de nenhum trabalhador perpetuar a dominação sobre outro grupo, pois isso apenas reforça o sistema que o explora. Um exemplo claro disso é a diferença salarial entre homens e mulheres, uma realidade global. Embora os homens ganhem mais, essa disparidade não se deve ao fato de as mulheres ganharem menos, mas sim à apropriação da maior parte da riqueza pela classe dominante. O benefício das discriminações, portanto, é exclusivo dos capitalistas, que mantêm seus lucros altos enquanto a classe trabalhadora, em suas várias camadas, sofre com baixos salários e condições precárias.


É nesse contexto que as mulheres negras empreendedoras que observei se destacam. Elas não estão apenas lutando para sobreviver, mas também desafiando ativamente o sistema que as oprime, criando redes de apoio que promovem a emancipação e a resistência. Esse tipo de organização é um exemplo claro de como a união e a solidariedade entre os oprimidos podem se transformar em uma força poderosa contra o sistema que nos explora.


Por fim, o que aprendi com essas experiências é que, embora as lutas de diferentes grupos possam parecer desconectadas à primeira vista, elas compartilham uma origem comum: a opressão estrutural que sustenta o capitalismo. A verdadeira mudança virá quando conseguirmos reconhecer essas interseccionalidades e lutar juntos, não apenas por migalhas, mas desafiando as estruturas que sustentam o capitalismo.



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