AGÊNCIA PÚBLICA: “O JORNALISMO NA LINHA DE FRENTE: MESA COLAPSO CLIMÁTICO E O ANTROPOCENTRO”
- Mariele Santos
- 22 de mar. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 3 de ago. de 2024
A Agência Pública comemorou seu 13º aniversário com uma discussão crucial sobre os desafios que o jornalismo enfrenta diante da disseminação da desinformação e do populismo digital.
O evento, intitulado “O Jornalismo na Linha de Frente: Mesa Colapso Climático e o Antropocentro”, reuniu jornalistas renomados e especialistas para discutir como esses fenômenos impactam a percepção da realidade e da democracia. Entre os participantes estavam Ailton Krenak, ativista do movimento socioambiental e de defesa dos direitos indígenas, organizador da Aliança dos Povos da Floresta, Carlos Nobre, um dos mais renomados climatologistas do país, e Daniela Chiaretti, repórter especial de Ambiente do Valor. A mediação ficou a cargo de Giovana Girardi, jornalista com foco na cobertura de ciência e meio ambiente.

Foto: @agenciapublica Giovana Girardi mediadora, Ailton Krenak,Carlos Nobre e Daniela Chiaretti.
Trouxeram à tona discussões profundas sobre os desafios técnicos, científicos e sociais das mudanças climáticas. Krenak destacou o conceito de “racismo climático”, apontando como as populações mais vulneráveis são as mais afetadas pelos impactos das mudanças climáticas, intensificando as injustiças sociais e ameaçando os princípios democráticos.
O racismo estrutural, com suas diferentes camadas, nos faz refletir sobre como somos manipulados por uma compreensão direcionada do evento climático e o evento climático em si. Ele é uma realidade em nossa pele, em nosso corpo, em nosso território. Ele mata pessoas, deixa muitas desabrigadas. O planeta já tem uma estimativa de cerca de 500 a 600 milhões de pessoas desabrigadas, perambulando pelo planeta, se afogando nos oceanos, sendo alvo de violência em lugares como México, Haiti, Palestina, entre outros. A experiência humana nesse contexto radicalizou a violência. Podemos chamar isso de racismo climático, uma maneira de compreender o evento sem sublimar a causa. (Krenak)
Num mundo onde a desigualdade e a injustiça são exacerbadas pelas crises ambientais, surgiu o questionamento sobre até que ponto podemos falar em democracia quando vastas populações são deixadas à mercê dos desastres naturais e da exploração desenfreada dos recursos. A democracia foi vista não apenas como uma conquista final, mas como um processo contínuo de luta por justiça e igualdade.
Essa gente que eu já chamei de subumanidade é de fato uma subumanidade. Ora, sabemos que existe uma camada de nós humanos que nunca alcançará a mínima condição de humanidade. Eles nunca terão oportunidades. Serão esmagados pela polícia, abusados pelos governos. Onde cabe a democracia nisso? É como se estivéssemos reivindicando uma democracia inexistente. Se tivéssemos que ir às ruas para dar uma demonstração gratuita, estaríamos votando de mãos vazias, não é mesmo? (Krenak)
Ressaltou-se a importância do jornalismo assumir seu papel na linha de frente dessa batalha, desafiando narrativas distorcidas, expondo injustiças e promovendo o diálogo e a conscientização. Somente através de um jornalismo comprometido com a verdade e a justiça podemos esperar construir um futuro mais sustentável e democrático para todos.

Foto: @agenciapublica Daniela Chiaretti.
Chiaretti pontuou que apenas para fornecer uma perspectiva, em 2023, os investimentos em descarbonização das economias globais alcançaram a marca de 1,3 trilhão de dólares. No entanto, apenas 6% desse total foi destinado à América Latina. A maior parte desse dinheiro foi direcionada para os países africanos, seguido pelos Estados Unidos, impulsionados pelo setor petrolífero, e para a China, uma economia emergente muito comprometida com essas questões.
Isso significa que o capital destinado à descarbonização da economia já está concentrado em regiões com economias robustas e emergentes. Portanto, se a crise climática representa uma ameaça à democracia, não há dúvida de que essa é uma preocupação válida.
Outro assunto introduzido por Girardi foi o Antropoceno que é uma proposta de uma nova era geológica, sugerida como uma subdivisão do período Holoceno, que é a época geológica atual. Sua principal característica é o reconhecimento de que a atividade humana tornou-se a força principal que molda os processos geológicos, biológicos e atmosféricos do planeta Terra.

Foto: @agenciapublica Giovana Girardi.
Tradicionalmente, as eras geológicas são definidas por mudanças significativas nos sistemas terrestres, como eventos de extinção em massa, alterações climáticas abruptas ou movimentos tectônicos importantes. No caso do Antropoceno, a sugestão é que a atividade humana em escala global atingiu um ponto em que suas influências são tão profundas e generalizadas que merecem ser reconhecidas como uma nova época geológica.
Por outro lado, há aqueles que defendem que o início do Antropoceno está mais intimamente ligado à Revolução Industrial. Esse período testemunhou um aumento exponencial na queima de combustíveis fósseis, a industrialização em larga escala e a expansão da população humana. Esses processos aceleraram drasticamente as mudanças ambientais globais, incluindo o aumento das emissões de gases de efeito estufa, a poluição generalizada e a perda de biodiversidade.
Sobre esse assunto, Nobre levantou questões importantes sobre o Antropoceno e ressaltou: “Se chegarmos ao aumento da temperatura prevista até 2100, poderemos causar a extinção” . Nobre enfatizou os impactos devastadores que podem ocorrer, incluindo a perda da Amazônia, a liberação de grandes quantidades de carbono, o descongelamento do permafrost e a liberação de metano dos oceanos, levando a graves consequências para o planeta. Ele também alertou que mesmo com um aumento de apenas quatro graus, isso poderia resultar em extinções significativas.

Foto: @agenciapublica Ailton Krenak e Carlos Nobre.
Independentemente do ponto de partida exato, reconhecer o Antropoceno implica entender que os seres humanos se tornaram a principal força que influencia os sistemas terrestres. Isso implica uma responsabilidade sem precedentes pela preservação e sustentabilidade do planeta. A humanidade agora enfrenta o desafio de mitigar os impactos negativos de suas próprias atividades e buscar formas de coexistir de maneira mais equilibrada e sustentável com os sistemas naturais da Terra.
Diante desse cenário, enfatizou-se a necessidade de promover o diálogo aberto e baseado em evidências, envolvendo cientistas, formuladores de políticas, líderes comunitários e o público em geral. Somente através de uma compreensão compartilhada dos desafios que enfrentamos e das soluções potenciais podemos esperar avançar em direção a um futuro mais sustentável e resiliente para todos os habitantes do planeta.
Em última análise, o evento representou um chamado à ação coletiva e uma oportunidade para reavaliar nossas relações com o planeta e uns com os outros. Enfrentar os desafios do colapso climático e do antropocentrismo exigirá uma abordagem holística e colaborativa, envolvendo diversos setores da sociedade em busca de soluções inovadoras e sustentáveis.
A esperança reside na capacidade de cada indivíduo e comunidade de se tornar agentes de mudança em um mundo que clama por cura e redenção.
留言